por Aline Pinheiro
O Supremo Tribunal Federal volta a julgar, nesta quarta-feira (13/8), se o ICMS pode fazer parte da base de cálculo da Cofins. A discussão se trava na Ação Declaratória de Constitucionalidade proposta pela União no ano passado. Nela, o governo pede que seja declarada a constitucionalidade do artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei 9.718/98, que trata da base de cálculo da Cofins e prevê apenas a exclusão do IPI dela.
O mérito, no entanto, ainda nem começou a ser discutido nessa ADC. Primeiro, o STF vai definir se ADC é o instrumento adequado. Há, por enquanto, oito votos a favor da discussão da base da Cofins por meio de ADC. Nesta quarta-feira, o julgamento é retomado com a apresentação do voto-vista do ministro Marco Aurélio. Já votaram: Menezes Direito (relator), Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Cezar Peluso e Ellen Gracie.
Já são conhecidos cinco votos: quatro a favor dos contribuintes e um a favor da União. Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto, Cezar Peluso e Eros Grau já haviam se manifestado sobre o assunto quando o mesmo tema estava sendo discutido em um Recurso Extraordinário. Todos, exceto Eros Grau, haviam votado contra a inclusão do ICMS na base da Cofins. Na ocasião, Sepúlveda Pertence, hoje aposentado, também votou a favor do contribuinte.
Mas, quando a ADC foi proposta pela União, os ministros discutiram se não seria o caso de suspender o julgamento dos recursos sobre o assunto e ir direto analisar a ADC, que tem efeito vinculante. O julgamento do principal Recurso Extraordinário, então, que estava no Supremo há uma década, foi suspenso e tudo começou do zero.
A Fazenda Nacional tem pressa pela conclusão do julgamento para estancar as decisões proferidas no Judiciário de todo o país, muitas vezes com entendimentos diversos. De acordo com dados da Receita Federal, em 2006, houve na Justiça de todo país 784 pedidos de Mandado de Segurança sobre o tema. Em 2007, o número subiu para 2.072.
Prós e contras
Em maio, a revista Consultor Jurídico fez as mesmas perguntas para os dois lados da disputa. O lado do contribuinte, que defende que não se pode incluir o ICMS na base de cálculo da Cofins, foi defendido pelo advogado Fábio Martins de Andrade, sócio do escritório Andrade Advogados Associados. O escritório representa a Confederação Nacional do Transportes, que entrou como amicus curiae na ADC. A posição da Advocacia-Geral da União, que defende a legalidade da inclusão do ICMS na base de calcula da contribuição, foi formulada no Memorial entregue aos ministros que julgarão a ADC.
O leitor poderá ler também a íntegra do Memorial da AGU (clique aqui) e o memorial do advogado que defende a CNT (clique aqui).
Veja o que pensam os dois lados da disputa
ConJur— O que é faturamento?
AGU — De acordo com a jurisprudência do STF, faturamento deve ser entendido como sinônimo de receita bruta, ou seja, o produto de todas as vendas de mercadorias e serviços, considerando os elementos que compõem o custo e influenciam na formação do preço.
Fábio Martins de Andrade — De acordo com a jurisprudência de mais de uma década do STF, faturamento é a receita auferida pela empresa com a venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços.
ConJur — ICMS faz parte do faturamento? Por quê?
AGU — Sim. A questão da inclusão do custo dos tributos indiretos — no caso, o ICMS — no preço dos produtos não encontra vedação no ordenamento jurídico pátrio, mas, ao contrário, revela-se plenamente conforme os princípios constitucionais.
Fábio Martins de Andrade — O ICMS não integra o faturamento porque o ICMS não é receita do contribuinte, mas receita destinada aos estados.
ConJur — A Cofins tem de ser calculada em cima do ICMS? Por quê?
AGU — Sim, porque o ICMS representa custo da produção e integra o faturamento. A Lei Complementar 70/01, que trata da cobrança da Cofins, diz claramente que esta não incide sobre o IPI quando destacado em separado no documento fiscal, mas não fala do ICMS. Como o ICMS não foi excepcionado, legitimou-se o entendimento de que ele está compreendido na base imponível da contribuição sobre o faturamento. O ICMS é parte integrante do preço da mercadoria ou do serviço e, dessa forma, está compreendido no faturamento. O ICMS compõe o custo do produto e, portanto, é agregado em seu preço.
Fábio Martins de Andrade — Não, porque a Constituição Federal (artigo 195) determina que a Cofins incide sobre a receita ou o faturamento. O ICMS não integra o faturamento e também não é receita da empresa (contribuinte).
ConJur — A decisão do STF vai afetar também o ISS, hoje parte da base de cálculo da Cofins?
AGU — Pergunta não respondida.
Fábio Martins de Andrade — Não. O ISS não está em discussão nesse julgamento.
ConJur — Quanto as empresas e o governo ganham ou perdem com a decisão do Supremo?
AGU — A Receita Federal estima que o impacto econômico nos cofres públicos da retirada do ICMS da base de cálculo da Cofins será de R$ 12 bilhões por ano. Se for dado caráter retroativo à decisão para os últimos cinco anos, o governo pode ter de devolver R$ 60 bilhões.
Fábio Martins de Andrade — É difícil estimar, mas, caso o ICMS seja retirado da base de cálculo da Cofins, o valor a ser devolvido para os contribuintes é certamente inferior àquele que vem sendo alardeado na mídia pela Fazenda Nacional com o propósito de impressionar e pressionar os ministros do STF. O fato é que, independentemente dos valores envolvidos, este raciocínio sobre quanto não pode prevalecer sobre o exame do como. Se a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins for declarada inconstitucional pelo STF hoje, o governo já terá se apropriado indevidamente de um montante astronômico de recolhimentos ilegítimos e dos quais não cabem qualquer ação do contribuinte, vez que transcorrido o lapso temporal para isso.
ConJur — A decisão do STF tem de ser política ou estritamente técnica?
AGU — A União recorre a argumentos técnicos, baseados na legislação, para pedir a cobrança da Cofins também com base no ICMS, mas também usa argumentos políticos, “a fim de evitar prejuízo irreparável aos cofres públicos”. O Memorial diz que a perda de receita prejudicará o financiamento dos serviços de saúde, previdência e assistência social. “A perda de receita deverá ser compensada por novas majorações de alíquotas, o que acabará prejudicando os pequenos contribuintes, os consumidores e a sociedade como um todo.”
Fábio Martins de Andrade — O nosso modelo democrático é bem preciso neste sentido. Embora o STF tenha uma função institucional fundamental no desenvolvimento do processo democrático, não cabe a ele ser político ou atender às eventuais conveniências políticas do governo. Por isso, espero que a decisão do STF seja estritamente técnica e que a ordem constitucional prevaleça sobre o interesse econômico do governo que, diga-se de passagem, está em ótima fase (registrou até aumento de arrecadação depois da extinção da CPMF).
RE 240.785 e ADC 18
Fonte: Conjur