por Daniel Roncaglia
Em fevereiro deste ano, o presidente Lula enviou ao Congresso uma mensagem pedindo a ratificação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, que proíbe a demissão sem justa causa. A proposta gerou críticas de alguns setores, principalmente do empresariado. Além da maioria dos trabalhadores, uma importante categoria demonstra irrestrito apoio à convenção: os juízes do Trabalho.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Cláudio José Montesso, vocaliza a opinião da classe. “Hoje, o empregador não precisa dizer por que está demitindo. Isso coloca o trabalhador em uma situação de muita fragilidade em relação à continuidade do contrato”, afirma.
A cada dois anos, durante a semana do feriado de 1º de maio (dia mundial do Trabalho), os juízes trabalhistas reúnem-se para o congresso da Anamatra. Nele, são votadas teses que balizam a atuação da entidade e influenciam os membros da classe (Clique aqui para ler os enunciados). Dos 2.746 juízes trabalhistas no país, 450 participaram do evento da entidade que congrega 98% da categoria.
O assunto que gerou mais debate no congresso desse ano, que aconteceu em Manaus, foi justamente o da Convenção 158. Cinco teses apoiando a convenção foram aprovadas pelos juízes. “É preciso haver uma sinalização contundente do governo federal de que quer, de fato, aprovar a convenção e que não fez só jogo de cena para a platéia”, quando mandou a mensagem ao Congresso pedindo a ratificação do documento, diz Montesso.
As teses também sinalizam outro caminho na atuação política da Anamatra sobre a questão: o Supremo Tribunal Federal. O tribunal discute a constitucionalidade do decreto presidencial que denunciou a convenção e a retirou do ordenamento jurídico nacional em 1996. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. “Também haverá uma grande resistência no STF”, afirma o juiz.
Editada em 1982, em Genebra, a convenção proíbe a dispensa arbitrária do trabalhador pelo empregador. Em 1992, o Congresso votou um decreto legislativo que colocou a norma no ordenamento jurídico brasileiro. Mas três anos depois, o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) editou uma denúncia revogando-a.
Outra bandeira defendida pelo presidente da Anamatra é aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 358, que trata sobre a segunda parte da Reforma do Judiciário. Isso porque o projeto é necessário para se definir qual é a competência da Justiça do Trabalho sobre funcionários contratados pelo serviço público. A decisão do STF sobre o assunto acabou por criar um vácuo jurídico na opinião de Montesso.
Nascido em Petrópolis, Montesso é formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1993, entrou na Justiça do Trabalho e atualmente é juiz titular da 58ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. É professor licenciado de Direito Processual Civil, da Universidade Católica de Petrópolis. Eleito presidente da Anamatra no ano passado, ficará à frente da entidade até o fim de 2008.
Participaram da entrevista os jornalistas Giselle Souza, do Jornal do Commercio, Fernando Teixeira, do Valor Econômico, e Rosualdo Rodrigues e Viviane Dias, da Anamatra.
A Anamatra aprova 47 teses neste congresso. Qual é a mais importante delas?
Cláudio José Montesso — Politicamente, as teses mais relevantes são aquelas que invocam a necessidade da efetivação da Convenção 158 da OIT. Em parte, elas pedem a aprovação da convenção por votação de três quintos do Congresso, que se incorporaria na condição de emenda constitucional. Mas, existe a possibilidade de julgamento pelo Supremo, em curto espaço de tempo, de uma ADI contra a denúncia feita na época do governo Fernando Henrique, em 1996. Para ser denunciada, ela tinha que passar pelo mesmo processo da sua ratificação. O Congresso tem que votar um decreto legislativo. Na ação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura alega que a denúncia não obedeceu pressupostos constitucionais e inclusive da própria OIT.
Na prática, o que significa a aprovação da tese neste congresso?
Montesso — Significa que os juízes do Trabalho interpretam que a vigência da Convenção 158 torna as relações de trabalho mais estáveis. Não gosto da expressão “estáveis”, porque vão dizer que os trabalhadores terão estabilidade. Ela elimina, ao menos, a possibilidade de o empregado ser mandado embora sem justificativa, a chamada denúncia vazia. Hoje, o empregador não precisa dizer por que está demitindo. Isso coloca o trabalhador em uma situação de muita fragilidade em relação à continuidade do contrato. A convenção faz com que se dê motivo para a demissão. Pode ser de natureza econômica se a empresa estiver reduzindo quadros. Ou pode ser por questão disciplinar ou por motivo tecnológico. A demissão pode acontecer até mesmo por conjunturas naturais e econômicas variadas: uma enchente, um tufão, um terremoto.
Por que os empresários têm medo de que a convenção crie a estabilidade?
Montesso — Não é por aí. Eles sabem que o problema é que terão que dar motivo. E, pior, justificar a demissão. Se houver arbitrariedade na demissão, ele terá duas opções. A primeira é reintegrar. O juiz pode mandar e o patrão vai ter que aturar o empregado. A própria legislação hoje já prevê isso no caso da gestante ou do empregado doente que volta de acidente do trabalho. A outra situação pode ser uma indenização, que esteja estabelecida na legislação.
Precisaria então uma regulamentação para isso?
Montesso — Seria interessante. Mas, o juiz pode estipular a indenização. Se ele considerar que há abuso na dispensa, ele pode considerar que aquilo merece uma reparação moral e até material. Uma indenização que sirva inclusive como efeito pedagógico ao empregador. A própria convenção já diz quais são as hipóteses.
Mas isso já não existe no ordenamento brasileiro?
Montesso — Acredito que não. Quem argumenta no sentido contrário diz que o nosso ordenamento prevê uma indenização, que são os 40% do FGTS. Mas, o fundo de garantia não é a indenização que está estabelecida no artigo 7º, inciso I da Constituição, que fala da demissão arbitrária e sem motivação. Para isso não existe previsão legal. Defendemos apenas a regulamentação de um inciso que já existe há 20 anos.
A convenção é uma volta ao regime pré-FGTS?
Montesso — Não. Até o FGTS ser criado em 1966, tínhamos um regime pior por ser mais rígido. Você trabalhava dez anos e garantia a estabilidade.
Como o servidor público, por exemplo?
Montesso — Mais ou menos. Na realidade você até podia demitir desde que pagasse uma indenização pesadíssima que equivalia o dobro do salário por ano de trabalho. O fundo de garantia flexibilizou ao fazer com que o empregador, na realidade, recolha a multa ao logo do contrato.
O senhor acha que tem clima para que a Convenção 158 seja aprovada pelo Congresso?
Montesso — Tem uma grande resistência no Congresso, mas as centrais sindicais estão empenhadas nisso. O apoio delas é fundamental, elas conseguiram aprovar um bocado de coisas. É preciso haver uma sinalização mais contundente do governo federal de que quer, de fato, aprovar a convenção e não foi só um jogo de cena para a platéia. Se o presidente Lula e a sua base aliada quiserem, aprovam. Está claro isso com todos os projetos que o governo consegue aprovar. Uma solução seria o julgamento da ADI no Supremo, que contesta a constitucionalidade do decreto que revogou a Convenção em 1996. Mas, não se sabe como o tribunal vai se definir. É a primeira vez que se defronta com uma situação dessa natureza.
Sustenta-se a tese de se tentar a aprovação da convenção por uma via que não passa pelo Congresso.
Montesso — É razoável. A convenção uma vez ratificada pelo país passa para o ordenamento jurídico. Se ela é aprovada por mais de dois quintos do Congresso, você tem que usar o mesmo mecanismo para denunciá-la. Quando quero tirar uma lei do ordenamento jurídico, mando outra lei revogando. Por certo, houve uma falha formal no processo administrativo da denúncia. Não há precedente no Supremo sobre essa matéria e talvez ele possa sinalizar com a jurisprudência. Também haverá uma grande resistência no STF.
Qual a influência das teses da Anamatra sobre os juízes?
Montesso — Elas não são vinculantes, mas ajudam na formulação da jurisprudência. Já a Anamatra, sim, deve passar a direcionar suas atuações políticas em razão das teses. Elas são aprovadas em assembléia
Fonte: Conjur