Com a publicação do novo regimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – órgão que julga os recursos administrativos dos contribuintes contra autuações do fisco federal – ontem no Diário Oficial da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) perde um importante instrumento para tentar derrubar os planejamentos tributários realizados por empresas brasileiras que considera ilegais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou da Lei nº 11.941, de 2009, fruto da conversão da Medida Provisória nº 449, de 2008, um dispositivo que mantinha válido no novo conselho o uso de um recurso privativo da procuradoria contra decisões não unânimes de câmaras do conselho.
O recurso privativo da PGFN foi instituído pelo Decreto nº 70.235, que criou o Conselho de Contribuintes em 1972. A ferramenta era apresentada à câmara superior de recursos fiscais contra decisões favoráveis aos contribuintes por maioria dos votos, ou seja, quando algum conselheiro votava a favor da procuradoria e, assim, não se obtinha unanimidade. Advogados afirmam que esse tipo de situação é mais comum de ocorrer em casos que envolvem planejamentos tributários – já que seu julgamento depende mais da análise dos fatos e de provas do que das leis, segundo explica o advogado Cássio Sztokfisz, do escritório Souza, Schneider e Pugliese Advogados. No trâmite da proposta de lei que seria o resultado da conversão da MP nº 449, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar uma permissão para que o contribuinte tivesse direito à mesma espécie de recurso. O presidente Lula, no entanto, vetou o uso do instrumento tanto pelos contribuintes como pela Fazenda. Na mensagem de veto, o governo diz que a razão é “a necessidade de
reduzir o tempo de trâmite dos processos”. Isso porque com o fim do recurso privativo, a câmara superior passou a ser um órgão uniformizador de jurisprudência do conselho, o que deve resultar em uma maior celeridade no julgamento de determinados temas pelo órgão.
Hoje, há cerca de quatro mil processos na câmara superior do conselho aguardando julgamento – a maioria discute a legalidade de planejamentos fiscais. Dos processos patrocinados pelo escritório Demarest e Almeida Advogados, por exemplo, há um referente à incidência de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre lucros auferidos por empresas controladas no exterior, cujo valor em jogo é de aproximadamente R$ 10 milhões. Outro caso, que discute o início da contagem do prazo decadencial para o lançamento de tributos, envolve cerca de R$ 2 milhões. Também há um processo relativo a negativas da Receita Federal do Brasil em relação à compensação de R$ 4,5 milhões em créditos tributários.
Como esses casos tramitavam no Conselho de Contribuintes antes da edição do novo regimento da instância administrativa, a PGFN ainda pode usar o recurso privativo referente a eles. Mas, em relação aos casos que subiram à câmara superior a partir de ontem, não mais. “A medida é positiva para o contribuinte, porque em diversos casos a Fazenda conseguia reverter decisões favoráveis ao contribuinte por meio do recurso privativo”, diz o advogado Luiz Felipe Ferraz, do Demarest. A procuradoria, no entanto, já prepara um contra-ataque. Segundo Paulo Riscado, coordenador dos trabalhos da PGFN no novo conselho, em decorrência do fim do recurso privativo, o órgão aumentará sua equipe no conselho e fará uma atuação mais preventiva e agressiva na esfera administrativa. Hoje há 29 procuradores atuando no conselho. De acordo com o advogado Dalton Cesar Cordeiro de Miranda, advogado do escritório TozziniFreire Advogados e conselheiro há nove anos, o fim do recurso por maioria deve aumentar as tentativas do fisco na interposição de outros recursos cabíveis, como embargos de declaração ou recursos especiais. “Será preciso um critério mais firme na análise de admissibilidade desses recursos”, diz.
Com a nova estrutura e regimento do conselho, seu presidente, Carlos Alberto Freitas Barreto, espera um aumento de produtividade no próximo semestre. Além do fim do recurso privativo da PGFN, Barreto lembra que o novo regimento traz duas ferramentas relevantes para dar maior celeridade ao Carf. Uma delas é a súmula vinculante do conselho, que, se aprovada também pela PGFN, gerará efeitos sobre toda a administração tributária. Já as resoluções do pleno do conselho serão eficazes em relação a todas as suas instâncias. “Com racionalidade na condução dos processos, diminuiremos em quatro vezes o tempo que leva para ser proferida uma decisão final”, prevê.
Laura Ignacio e Luiza de Carvalho
Fonte: Valor Econômico