Por Alessandro Cristo
A Justiça de São Paulo anulou, nesta terça-feira (31/5), a falência da indústria de laticínios Nilza. A produtora foi a maior do estado no ramo de leite longa-vida até 2004, quando entrou em crise. Em janeiro, porém, teve a falência decretada pela 4ª Vara Cível de Ribeirão Preto (SP). A decisão foi revogada nesta manhã pela Câmara Reservada à Falência e à Recuperação Judicial do Tribunal de Justiça paulista, que restabeleceu o processo de recuperação judicial.
O tribunal entendeu que o motivo que levou o juízo de primeiro grau a decretar a falência — uma possível fraude dos responsáveis pela falida e por um investidor — não poderia prejudicar a devedora. Assim, a recuperação judicial, que havia sido convertida em falência devido à suposta fraude, volta a depender da homologação, pela Justiça, do plano de recuperação aprovado pelos credores em novembro.
A Nilza teve seu processo de recuperação judicial convertido em falência em janeiro, depois que uma suspeita de fraude foi comunicada pelo Ministério Público de São Paulo. Em investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) sobre formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, o MP interceptou ligações telefônicas entre os responsáveis pela Nilza e pela empresa Airex Trading, de Manaus. Os contatos, segundo os promotores, eram indícios de que um dos credores receberia, por fora, dinheiro para convencer outros a aprovar o plano de recuperação.
Segundo o desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, relator do Agravo de Instrumento ajuizado pela Nilza, a “eventual fraude praticada pela empresa Airex objetivando a aquisição do controle acionário da recuperanda Nilza, bem como eventual conduta ilícita do diretor administrativo da companhia devedora não têm o condão de atingir a atuação da empresa devedora”, afirmou em seu voto.
A Câmara entendeu que a decisão do juiz Heber Mendes Batista, de Ribeirão Preto, se baseou em prova emprestada de um Procedimento Administrativo Criminal que corria em paralelo na 5ª Vara Criminal de Ribeirão Preto contra a Airex. “O juiz não deu à empresa a oportunidade de se defender”, diz uma das advogadas da Nilza, Silvia de Lucca. Ela relata que a 5ª Vara não permitiu à empresa ter vista dos autos para que se conhecesse o conteúdo das interceptações, alegando sigilo. Para o desembargador Pereira Calças, o juiz não observou os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Conforme os autos, Adhemar de Barros Neto, controlador da Nilza, e Sérgio Alambert, controlador da investidora Airex Trading, Logística, Importação e Exportação Ltda., foram acusados de fraude à recuperação por oferecer R$ 225 mil para José Eustáquio Bernardino de Senna, credor quirografário de R$ 4,3 milhões, para que ele votasse a favor do plano. Os demais credores da categoria, no entanto, reclamavam mais de R$ 110 milhões. A defesa da Nilza alegou que o valor pago a Eustáquio, especialista em produção leiteira, se deveu a prestação de consultoria.
“O douto magistrado, limitou-se a usar a prova emprestada consistente em interceptação telefônica, produzida em procedimento investigatório iniciado pelo Gaeco do Ministério Público do Estado de São Paulo, sem dar oportunidade à empresa em recuperação judicial ou a seu acionista majoritário, senhor Adhemar de Barros Neto, de se manifestar sobre aludida prova”, disse Pereira Calças. “Também não se oportunizou à empresa Airex, nem a seu sócio majoritário, o advogado Sérgio Antônio Alambert, para se manifestar sobre as gravações telefônicas.” Além disso, segundo o desembargador, as investigações do Gaeco se basearam em denúncia anônima, o que “acarreta vícios na validade da prova emprestada do procedimento investigatório” devido à falta do contraditório.
Aprovado em assembleia de credores que começou em outubro e terminou só no mês seguinte, o plano de recuperação foi manejado pela empresa Airex Investimentos e Participações Ltda, que, para investir R$ 11 milhões em três meses e recontratar empregados, exigiu o controle acionário da companhia. Assim, o total de 60% das ações, pertencente ao ex-dono da Lacta, Adhemar de Barros Neto, desde 2004, passaria à Airex. Em contrapartida, os credores trabalhistas exigiram do presidente da Airex, Sérgio Alambert, que o total da dívida de R$ 5,2 milhões fosse quitado. O dinheiro chegou a ser depositado, mas, com a decretação da falência, foi levantado pela empresa.
O Banco do Brasil, um dos credores com garantias reais, discordou do novo plano. Mas, segundo a advogada Silvia de Lucca, foi o único banco a protestar. Os demais se abstiveram. “A Lei de Recuperação prevê que se o novo plano não alterar o anterior em relação a determinada categoria, ela perde o interesse em votar”, diz. O primeiro plano da Nilza foi aprovado e homologado em 2009, mas a crise financeira mundial levou os administradores a buscar ajuda do BNDES e pedir a alteração do plano original.
As dívidas concursais e não concursais da Nilza somam hoje R$ 400 milhões. Segundo o advogado Lázaro Martins de Souza Filho, que defendeu a Airex, a empresa voltará a depositar os R$ 5 milhões devidos aos trabalhadores, para que o plano de recuperação já aprovado seja homologado pela 4ª Vara Cível de Ribeirão Preto. “A pretensão é retomar a produção dentro de 20 dias”, afirma.
Fonte: Conjur