Liminares em parcelamento preocupam a Receita Federal

Empresas estão buscando a Justiça para garantir que, ao aderirem ao novo parcelamento de débitos federais – o chamado “Refis da Crise” -, tenham direito à Certidão Negativa de Débitos (CND), que lhes permite participar de licitações e obter financiamentos em bancos públicos. A emissão do documento pode ser negada pela Receita Federal se o contribuinte for considerado um devedor contumaz ou se ele continuar com débitos em aberto.


Essa prática foi identificada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que já contabiliza centenas de liminares obtidas por empresas em setores sensíveis para a arrecadação – hospitalar, bebidas, fumo e combustíveis. São contribuintes considerados devedores contumazes pela Receita que, por meio de liminares conseguidas sob o argumento de que precisam aderir ao Refis, obtêm benefícios que só seriam concedidos para aquelas que estão em dia com o pagamento de impostos.


Há casos de empresas que têm dívidas tributárias de R$ 500 milhões e estão obtendo decisões que lhes permite retirar a CND. Uma empresa com dívida de R$ 512 milhões e 27 cobranças na dívida ativa da União obteve liminar na 24ª Vara Federal de São Paulo para aderir ao Refis e, com isso, obter a certidão negativa. Essa prática tem sido disseminada porque nem todas as empresas que aderem ao Refis obtêm o documento automaticamente. Apenas aquelas que não possuem débitos em aberto conseguem a certidão.


A Procuradoria da Fazenda acredita que esse problema deve entupir os tribunais superiores no futuro. “Ainda não temos a noção exata sobre quantas liminares foram concedidas, mas sabemos que são muitas e que devem subir até os tribunais superiores de Brasília”, afirmou Claudio Xavier Seefelder, da Coordenação-Geral de Representação Judicial da PGFN.


O problema também preocupa a Polícia Federal, pois a obtenção da CND permite que empresários detidos por sonegação fiscal e apropriação indébita se livrem da cadeia. Claudio Gomes, da Delegacia de Policia Fazendária, afirmou que há casos de empresários que buscaram a adesão ao Refis 4 apenas para evitar uma ação penal. Ele reconheceu que existem empresas que entram no parcelamento regularmente, mas lamentou que a norma do Refis (Lei nº 11.941) abriu as portas para que outras companhias busquem proteção criminal. “As normas são feitas para todos, mas, infelizmente, alguns se beneficiam das lacunas”, disse Gomes.


O esquema utilizado pelas empresas para burlar o fisco por meio do Refis também preocupa o Ministério Público Federal e foi levado à 2ª Câmara Criminal, que trata de crimes tributários. Os procuradores estudam a adoção de algumas medidas contra a prática.


No setor privado, o assunto foi objeto de reuniões do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), que designou advogados para tentar barrar essas liminares na primeira instância da Justiça. “O problema é mais grave nos setores que têm tributação mais alta, como bebidas e cigarros”, afirmou Ana Tereza Basílio, advogada do Etco. “Neles, a obtenção dessas liminares causa maior desequilíbrio, pois quem paga regularmente seus impostos acaba sendo penalizado”.


Outro problema do novo Refis é que o fisco exige apenas o pagamento de uma parcela mínima para deixar a empresa, sem débitos em aberto, em dia com a Receita. Como o programa permite parcelamentos em até 180 meses (15 anos), algumas empresas conseguem a CND com o pagamento de apenas R$ 100,00. Segundo o tributarista Oséas Aguiar, do escritório Martinelli Advogados, a parcela mínima chega, no máximo, a R$ 4,4 mil. São duas cotas de R$ 2 mil para dívidas de IPI com a Receita e mais quatro cotas de R$ 100 para a PGFN, relativas a débitos gerais fiscais e previdenciários. “Na maioria dos casos, as empresas estão aderindo ao Refis porque querem pagar as suas dívidas e estão em boa-fé”, disse Aguiar. “Mas, infelizmente, o sistema permite a adesão de empresas de má-fé. Nesse caso, a empresa paga um valor pequeno e obtêm a CND, mesmo se dever R$ 1 bilhão para o fisco”, lamenta o tributarista.


Juliano Basile

Fonte: Valor Econômico

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