Por Geiza Martins
Ridicularizar cliente pode gerar demissão por justa causa. Foi o que aconteceu com a atendente de telemarketing que imitou para os colegas uma cliente gaga pedindo informações sobre uma promoção. Ela não sabia que a cliente estava ouvindo a brincadeira do outro lado da linha. A 5ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) manteve a demissão por justa causa, por entender que a ridicularização violou gravemente o princípio da dignidade humana.
A trabalhadora entrou com ação para tentar reverter a demissão por justa causa determinada pela Brasil Center Comunicações LTDA. A empresa dispensou a autora depois de ter recebido reclamação do marido da cliente. A 3ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto já havia negado o seu pedido.
Quando atendeu a ligação, a operadora de telemarketing pediu para que a cliente aguardasse por um momento:
Atendente: Tudo bem senhora, em que posso ajudá-la?
Cliente: Hã, hã, hã, eu quero hã, eu quero saber até, até, quando eu tô, eu tô, hã, hã, hã, hã, participando da promoção dos seis centavos.
Atendente: Certo, só um momento. (Neste momento, a atendente deixa a linha em pausa e começa a imitar a voz da cliente, “Hã, Hã, Hã”, ouvem-se risos, muitos risos). Nossa Senhora, Nossa Senhora, Meu Deus. Muda ainda, meu Deus do céu. (A cliente continua em pausa na linha). Ao fundo mais vozes e uma voz, aparentemente masculina, pergunta “Como é que ela faz aí?” Hã, hã, hã, hã, hã (muitos risos mais uma vez, muitos risos). “Seis centavos”, repete, gaguejando, tentando imitar a voz da cliente. (Risos, muitos risos.) Nossa Senhora, que agonia que me dá, gente de Deus, olha. (Risos, muitos risos). Deus do céu que agonia, hã, hã (risos). Deus me perdoa, Senhor. Senhor me perdoa, tira esses maus pensamentos de minha cabeça, Pai (risos ao fundo).
A telefonista alega que tinha acionada a tecla mute para que a cliente não escutasse seu riso involuntário. E afirma não ter culpa pelo dispositivo não ter funcionado. Ainda destaca que o marido da cliente, ao reclamar do ocorrido, reconheceu que, apesar de tudo, ela foi bem atendida. Também argumentou que embora tenha assinado o recebimento do Código de Ética da empresa, não teria condições de ler todas as páginas no momento da contratação.
O relator, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, afirmou que discriminar pessoas que têm gagueira é tão errado quanto ridicularizar pessoas com qualquer outra deficiência. “A gagueira é um distúrbio de fluência, caracterizada por repetições, alongamentos ou bloqueios de sons ou de sílabas ou pela evitação dessas disfluências, sendo causada por um mau funcionamento de áreas do cérebro relacionadas à temporalização da fala, o que diferencia as pessoas gagas daquelas que são fluentes”, explica didaticamente o relator.
De acordo com o desembargador, a telefonista cometeu falta grave que revela justa causa, “principalmente porque trabalhava numa atividade cujo foco é justamente o atendimento ao público em geral, sendo inadmissível a maneira como reagiu diante da deficiência alheia”.
Santos citou entrevista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo com o escritor português José Saramago. Nela, Saramago fala sobre sua gagueira: “Aqueles que gozam da sorte de uma palavra solta, de uma frase fluida, não podem imaginar o sofrimento dos outros, esses que no mesmo instante em que abrem a boca para falar já sabem que irão ser objeto da estranheza ou, pior ainda, do riso do interlocutor”.
Fonte: Conjur