Cristiane Agostine e Vanessa Barone
O flanco aberto com a disputa em torno do ICMS sobre importações entre São Paulo e o Espírito Santo, que pode se expandir para Santa Catarina, ameaça implodir a imagem da política de colaboração tributária que o governador paulista, José Serra (PSDB), buscava difundir com os acordos já firmados com oito Estados.
Nem mesmo o correligionário e vice-governador de Santa Catarina, Leonel Pavan (PSDB), incumbido pelo governador Luiz Henrique da Silveira (PMDB) de tratar do assunto com o governo paulista teve sucesso em encaminhar negociação. As discussões com o governo de São Paulo não têm sido conclusivas.
“Sabemos que o Estado de São Paulo é o estado-mãe do país e que ele (Serra) agiu como governador deste Estado, mas ainda não recebi explicação dele do por que está agindo dessa forma. Só posso analisar consequências políticas quando entender os motivos, se os estamos prejudicando”, disse Pavan.
Santa Catarina possui lei que incentiva a importação chamada de Pró-emprego, programa criado em 2007, em substituição a uma legislação similar chamada de Compex. As empresas são inclusas neste programa desde que provem que contribuirão no desenvolvimento do Estado e isso inclui geração de emprego, renda e até mesmo operações que incrementem as movimentações nos portos do Estado. Por meio do Pró-emprego, as empresas conseguem diminuir o ICMS dos itens importados de 12% para apenas 3%. “É uma lei regular e que movimenta nossa economia”, diz Pavan.
A Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) pretende propor medidas alternativas ao governo de Santa Catarina para contornar a situação. De acordo com a federação, a decisão de SP praticamente anula o benefício que as empresas tinham ao importar pelos portos de SC. Há quatro portos hoje em operação no Estado: Imbituba, Navegantes, Itajaí e São Francisco do Sul. Um quinto porto está em construção na cidade de Itapoá.
“São Paulo entrou com tudo na guerra fiscal e hoje tem poder de fogo incrível para enfrentar os Estados. Mas os Estados não vão ficar mais só assistindo”, diz o ex-governador Germano Rigotto (PMDB), que coordenou o grupo de reforma tributária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). ” O que não pode é cada Estado tentar fazer uma mini-reforma tributária olhando para seu umbigo. Desse jeito a Federação vai desaparecer”, afirma.
Entre os políticos e especialistas que são observadores privilegiados da disputa, a avaliação é de que se o conflito acentuar a indisposição federativa contra São Paulo e se provar prejudicial aos planos de Serra na sucessão, uma anistia a posteriori aos débitos não-reconhecidos pelos contribuintes capixabas e dos demais Estados visaria a lhe conferir uma postura de negociador.
Além disso, os demais Estados podem vir a precisar do peso de São Paulo como mais endividado ente da Federação para entabular a negociação com o governo federal em torno da renegociação do indexador das dívidas. No governo paulista, no entanto, já se descarta qualquer movimento encabeçado por Serra para rever o indexador das dívidas. “Isso apenas será mudado quando for eleito um presidente da República que tenha esse entendimento”, diz o secretário de Fazenda do Estado, Mauro Ricardo.
Que a disputa em questão implica em perdas para São Paulo não parece haver dúvidas. Na análise do ex-coordenador tributário da Fazenda de São Paulo (de 1995 a 2002) e consultor Clóvis Panzarini, São Paulo perde exatamente o montante que o Espírito Santo e a empresa que resolveu importar pelo porto de Vitória ganham, devido ao mecanismo de incentivo à importação capixaba. “Quando faz a importação por Vitória, o governo capixaba ganha, o importador ganha, mas São Paulo perde. O Estado consumidor perde exatamente o que os outros dois ganham. É danoso à economia paulista”, comenta. “Se acabar com o benefício no Espírito Santo, a mercadoria vai entrar por São Paulo (porto de Santos) e o ICMS paulista ficará com toda a arrecadação.”
Por mais que se reconheçam as perdas, essas brigas tributárias em que o governo de São Paulo se envolve com a Federação, têm como pano de fundo o caixa amealhado pelo governo paulista que faz sombra aos tesouros estaduais. “Em termos políticos, essa disputa em torno do ICMS da importação cria dificuldades políticas para o Estado. Cria a imagem de São Paulo brigão e tem um componente político muito delicado”, diz o ex-secretário municipal de Finanças de São Paulo, Amir Khair. Para o tributarista, o conflito comprova a dificuldade de entendimento dos governadores como o principal obstáculo à reforma tributária.
Aliados do governador José Serra, como o deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES), por exemplo, avaliam que o ruído será breve. Vellozo participou da reunião entre os secretários de Fazenda de São Paulo e do Espírito Santo na semana passada e saiu do encontro tentando minimizar o conflito entre os dois Estados. “Houve um ruído e tentaram tirar proveito político dessa questão. Quem tentar tirar proveito político vai se machucar”, disse.
Fonte: Valor Econômico