Tributação – ICMS – importação por não contribuinte após a EC.33/01

Na importação por não contribuinte do imposto estadual após a Emenda Constitucional n. 33 de 11.12.01, continua não incidindo o ICMS.

Um breve retrospecto da legislação.

Sobre o texto:

Texto inserido na Associação Paulista de Estudos Tributários em 03 de abril de 2008.

Até o advento da EC. 33/01, a Constituição Federal/88 no inciso IX, § 2º do art. 155, assim disciplinava a matéria:

“Art. 155. (…)

§ 2º(…)

IX – incidirá também:

a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço”.

Após a Emenda Constitucional 33 de 11 de dezembro de 2001 (Publicada no Diário Oficial da União de 12 de dezembro de 2001) o mencionado texto constitucional passou assim:

“Art. 155. (…)

§ 2º(…)

IX – incidirá também:

“Sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”. (grifamos as inovações da E.C. 33/01).

Note-se que a EC 33/01 não trouxe nenhuma exceção à regra do art. 146. III, “a” da CF/88, que determina a necessidade de edição de lei complementar para definir o fato jurídico tributário, base de cálculo e os contribuintes que serão abrangidos pelo novo campo de incidência.

Citado dispositivo constitucional afasta de plano, em nosso ver, a possibilidade da Emenda Constitucional n.º. 33/01 ser auto-aplicável, sem a edição de Lei Complementar. E mais, ainda que se pudesse desobrigar a edição da L.C., seria plenamente indispensável a previsão de Lei Ordinária Estadual, para que cada ente Federativo pudesse cobrar o ICMS sobre a importação de bens destinados a não contribuintes, nos termos da EC 33/01.

Assim, em obediência ao texto constitucional, em 16 de dezembro de 2002 (produzindo efeitos a partir de 17/12/02, mais de um ano, portanto, após à publicação da Emenda n.º 33), foi editada a Lei Complementar n.º 114, que teve por ofício alterar o inciso I do § 1º do art. 2º da Lei Complementar 87/96, com a seguinte redação:

“Art. 2°(…)

§ 1º O imposto incide também:

I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade”.

Salta aos olhos que, mesmo após a edição da EC 33/01, a redação da LC 87/96 permaneceu inalterada até a entrada em vigor da LC 114/02, num interstício temporal que, repita-se, superou um ano. Obviamente que nesse período o imposto no que tange à importação, permaneceu sob regência da redação primitiva da LC 87/96, não havendo previsão, portanto, para que o imposto estadual houvesse incidido sobre bens importados por contribuintes não habituais, mandamento trazido pela referida Emenda Constitucional, mas apenas sobre mercadorias importadas por contribuintes, por intermédio de seus estabelecimentos comerciais.

Como mencionado, para que os Estados possam cobrar o imposto incidente sobre a importação de bens por não contribuintes, é necessária a edição de Lei Ordinária Estadual, uma vez que, como dito anteriormente, à Constituição não é dada a possibilidade de instituir tributos, mas sim de delegar a competência para sua instituição. E mais, em respeito ao princípio da anterioridade, o imposto só poderia ser exigido pelos Estados no exercício seguinte ao que fosse publicada a lei estadual.

Como expressado, a Emenda à Constituição não é auto-aplicável, de modo que, nos exatos termos do inciso XII, §2o., art. 155 da CF/88, deve a lei complementar, posteriormente à EC, definir entre outras situações os contribuintes do tributo estadual que serão abrangidos pela nova incidência.

Parece-nos claro também que, mesmo após a edição da Lei Complementar, para os Estados cobrarem o imposto sobre a importação de bens por não contribuinte que ora se esboça nos termos da EC 33/01, é indispensável a previsão de Lei Ordinária Estadual.

Sobre a matéria em comento o Tribunal de Justiça de Minas Gerais assim se manifestou:

“A Emenda Constitucional n. 33, de 11 de dezembro de 2001, alterou o art. 155, §2o, IX, “a” da Constituição Federal da Republica e admitiu a incidência de ICMS na importação promovida por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto.

Nos termos do art. 146, III, “a”, da Constituição Federal cabe à lei complementar definir o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes dos impostos.

A definição, na espécie, deu-se pela Lei Complementar 114, de 16 de dezembro de 2002.

No âmbito do Estado de Minas Gerais, a legislação somente foi adaptada em 06 de agosto de 2003, por meio da Lei Estadual n. 14.699 (f. 82/83-TJ).

Portanto, no caso, quando da ocorrência do fato gerador, em 20 de novembro de 2002 (f. 55/58-TJ) não havia norma regulamentadora dispondo sobre a incidência do ICMS na operação que ensejou a autuação fiscal impugnada”(TJMG. Rel. Rômulo Moreira Torres. 4a., Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.05.579966-2/001. Publ. 04.10.2005).

No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça também entendeu pela necessidade de disciplinar a matéria por Lei Ordinária, como se vê:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. IMPORTAÇÃO DE BENS. PESSOA JURÍDICA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33/01. O novo Texto Constitucional decorrente da Emenda Constitucional nº 33/01 é claro ao dispor que o fato gerador do imposto (ICMS) ocorre na importação da mercadoria do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado ao consumo ou ativo fixo do estabelecimento. No Estado do Rio Grande do Sul, a legislação que regulamenta o imposto é a Lei Estadual nº 8.820/89. Entretanto, tal lei, na parte referente a matéria em questão, acabou por tornar-se inconstitucional, uma vez que editada à época em que era proibida a cobrança do ICMS, ou seja, antes da Emenda Constitucional nº 33/01. Desse modo, não havendo, até então, adaptação da citada lei às novas regras, e sendo impossível a sua constitucionalização, tem-se como inexistente norma local a permitir a incidência concreta da exação tributária. Apelo provido. (Apelação Cível Nº 70018692277, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Armando Bezerra Campos, Julgado em 19/12/2007).

No Estado do Paraná, uma situação atípica despontou após o advento da L.C. 114/02, promulgada em 16/12/02 (repita-se, mais de um ano após a publicação da Emenda 33) que teve como alvo modificar a L.C. 87/96, no que diz respeito à incidência do imposto na importação.

Apenas em 14 de maio de 2003 foi editada a Lei Estadual n.º. 14.050, dando nova redação ao art. 2º, § 1º, inciso I, da Lei 11.580/96 – para então introduzir a possibilidade da cobrança do imposto na importação de não contribuinte, com a seguinte redação:

“Art. 2º (…)

§ 1º – O imposto incide também:

I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja sua finalidade.” (grifamos as inovações).


Não obstante o lapso temporal de quase cinco meses entre a edição das citadas leis – L.C. 114/02 e a Lei Estadual 14.050 de 14.05.03 – esta última em desrespeito aos princípios da anterioridade e da irretroatividade determinou, no art. 2º, que seus efeitos fossem produzidos a partir de 17/12/02.

Se não bastasse tudo isso, a matéria foi disciplinada pelo Decreto 5.375 de 01.03.02 e incorporado no RICMS-PR, vigente a época (Decreto 5141/01), também com efeito retroativo a 01.01.02.

Assim, somente com o advento da Lei 14.050/03 é que houve previsão (legal) para a cobrança do ICMS no Paraná alcançando as importações de bens realizados por não contribuintes do imposto.

Todavia, é imprescindível destacar que, em respeito aos princípios constitucionais da anterioridade e da segurança jurídica, a exigência do imposto nas hipóteses elencadas (nova categoria de contribuinte e aumento da carga tributária), só poderia ocorrer a partir de 01 de janeiro de 2004, em obediência a letra “b”, inciso III, do art.150 da CF/88.


Neste sentido foi o entendimento do Pleno do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais, como se vê do seguinte julgado que tive a oportunidade de ser o relator:


“ICMS – Importação de mercadoria por não contribuinte do imposto após a Emenda Constitucional n. 33. Eficácia pendente de edição das Leis Complementar e Ordinária.


O imposto incidente nas importações realizadas por pessoa física ou por não contribuinte do tributo estadual, só passou a ser devido após o primeiro dia do exercício seguinte a vigência da Lei Estadual n. 14050 de 14.05.03, com espeque no princípio da anterioridade previsto no inciso III, art.150 da Constituição Federal/88.

Recurso de Reconsideração da Fazenda conhecido e não provido por unanimidade.” (Acórdão n. 2690/04 do PLENO, publicado no D.O.E. n. 6955 de 19.04.05).



No sentido de pacificar a discussão da matéria, mesmo antes da Emenda Constitucional 33, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 660.

Na sessão de julgamento do plenário do STF realizada em 26/11/2003, o Ministro Sepúlveda Pertence sugeriu a alteração do Enunciado da Súmula nº 660, para que passasse a vigorar nos seguintes termos: “Até a vigência da EC 33/2001, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.”


O Tribunal concordou em reavaliar o assunto e o Diário da Justiça da União (DJU) chegou a publicar uma retificação da aludida redação na edição de 5/8/2004, dando a impressão de que a ressalva temporal havia sido aprovada pela Corte Suprema.

Contudo, no Informativo do STF nº 422, de 3 a 7 de abril de 2006 (paginação interna de 12 de abril de 2006), foi publicado o seguinte informe, ipsis litteris:


“Enunciado da Súmula 660 do STF: Republicação.

Informamos que, em razão de o Tribunal, na sessão plenária de 26.11.2003, ter recusado a proposta de alteração da Súmula 660, constante do Adendo nº 7, foi republicado o respectivo enunciado nos Diários da Justiça dos dias 28.3.2006, 29.3.2006 e 30.3.2006, com o teor aprovado na sessão plenária de 24.9.2003: “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”. Fica, portanto, substituída, nesses termos, a notícia veiculada pelo Informativo 331 quanto ao referido verbete.”

Restou esclarecido que o Plenário do STF não concordou em alterar o Enunciado da Súmula nº. 660, permanecendo válida a redação original: “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.”

Ao analisar os dois precedentes que motivaram o enunciado (RE nº 203.075-9/DF e RE nº 185.789-7/SP), os Ministros do STF destacaram e repetiram a importância de o importador ser contribuinte do ICMS para permitir a sua incidência.

Em outras palavras, a incidência do ICMS na importação está condicionada, entre outras razões, à necessidade de se observar a condição mercantilista do importador, de modo a possibilitar que o princípio da não-cumulatividade seja efetivado.

A matéria após a EC. 33/01 ainda não foi analisada pela Suprema Corte. O STJ, apreciando o mencionado julgado do Rio Grande do Sul confirmou a não incidência do ICMS na importação de um aparelho de radioterapia a uma clínica oncológica, sob o fundamento de inexistência de Lei Ordinária após a EC. 33/01, podendo ter aberto, assim, um precedente para toda a matéria a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal. O que se pode afirmar é que a Súmula 660 continua vigendo.

Autor:
GERSON TAROSSO

Advogado. Sócio do Escritório Petenati, Tarosso & Arantes Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET. Membro do Instituto de Direito Tributário (IDT/PR). Ex-Conselheiro e Presidente do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do Paraná.

Fonte: Netlegis

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